sábado, 9 de maio de 2015

A fila preferencial nem sempre me representa

E eis que dias atrás estava na lotérica. Quem já teve o (des)prazer de ir numa lotérica em dia de pagamento sabe o que isso significa: filas, longas e cheias de todos os tipos de pessoas, em geral mal humoradas. Odeio ter de ir na lotérica nestes dias. Bom, lá fui eu. Pegar a fila preferencial. Aqueles olhares reprovadores, de raiva, porque, afinal de contas, aquelas pessoas estão de pé a tempo na fila, e daí entra uma garota na frente e é atendida antes. 

Eu, antes de me tornar deficiente, sempre respeitei a fila dos preferenciais, mesmo quando flagrava alguém fingindo. Só não aceitava bem quando vinham pessoas com crianças acima de 2 anos - elas já conseguem ficar de pé sozinhas, então pegá-las no colo para entrar na preferencial me deixa muito desconfortável. Eu sei, pode ser horrível isso de minha parte, mas é minha opinião.

Aí me tornei deficiente, e passei a usar a fila preferencial. Mas uso apenas quando estou exausta, ou vou ficar muito de pé. Se tiver lugar para sentar, e não vou ficar horas, uso a normal mesmo. E isso gera conflitos. De ambos os lados. De um lado, pessoas ficando p... da vida porque estou abrindo mão do meu direito, direito este que as pessoas tem que aceitar. De outro, pessoas bufando porque estou "atrapalhando" a fila, tomando para mim um tempo da fila preferencial que, como mulher jovem, eu não deveria estar usando. Dureza.

A vida do deficiente, eu acho que já comentei, chega a ser confusa muitas vezes. Quem nasce deficiente, sempre teve esta forma de ver a vida, acho que não sente tanto o choque. Mas eu sinto direto. Me tornei deficiente, passei a necessitar de ajudas, de tolerâncias, de filas preferenciais. Se isso me deixa feliz? Não, mas não por ser deficiente. Me faz ficar infeliz porque as filas especiais, a convivência sob olhares de pena, o preconceito velado ("ai tadinha, ela nunca mais poderá dirigir") e outras pressões diárias são cotidianas a mim e a outras pessoas. E nós tentamos nos mesclar, não forçar nossa existência e aceitação. Queremos que seja algo natural. Eu não quero me sentir culpada por pegar fila preferencial. Quero que seja uma opção, que devo usar conforme a situação, sem amarras. E odeio, com todas as forças, quando alguém quer se aproveitar da minha deficiente para fular fila. Aí, você vai me ver num estado mental difícil de ignorar e de esquecer.

Por isso, digo que nem sempre a fila preferencial me representa. O que me representa é meu auto domínio de minhas deficiências, onde posso ou não fazer valer uma necessidade física.  Poder sobre meu estado de espírito, meu tempo e minhas escolhas - isso sim, é o que quero que seja sempre preferencial.



 Carpe diem, carpe noctem, finis est initium.

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