Preconceito no mundo alternativo - de dentro para fora

Há vários dias atrás, teve uma tentativa de evento otaku aqui em Porto Alegre, a Anime Xtreme. Digo tentativa porque houve um cancelamento no sábado, e o lugar virou um caos. Contei para a Sana do MdS (beijos sua Diva!) sobre o que aconteceu e tomei liberdade de copiar o trecho:

"Fomos eu e meu marido, e chegando lá soubemos que o evento foi cancelado. Bora então para casa, mas tudo estava tão confuso que tivemos que ir andando até um lugar mais calmo.

Até ae, nada demais. 

Até que ouvi um guri dizer ao outro "cara, tá cheio de tiozão aqui. Olha a tiozona ali, a gótica".  E como tem gente que não sabe disfarçar () o cara olhou direto pra mim. Eu de vestido preto, meia arrastão, jaqueta de couro e crucifixo no pescoço. 

E para completar o comentário a seguir: "tem gente que não sabe que este é um evento para gente jovem".

Confesso pra vc que fiquei muito surpresa. Quando eu via alternativos mais velhos em eventos, eu queria ser que nem eles. Sempre dizia que ia ser uma velhona loucona, que ia buscar os netos de moto, cabelo com 3 cores, tatuagem (e os guris morrendo de vergonha de ver a vó falar car***o!)."

Para ilustrar bem, eis o look (confesso que esperava piadas sobre a órtese, não sobre a idade!):

A luz este dia estava bem acinzentada, e as fotos ficaram um pouco escuras. Mas acho que ilustra a ideia.

A ideia deste post, infelizmente, não é comentar look. É comentar pré-conceito. Intolerância e julgamento.

Pessoas da cena alternativa sabem o quanto é difícil sair ileso de comentários e piadinhas. Eu presenciei várias, aliadas a "pena" que sentiam por eu ser deficiente. Dias atrás, vi um rapaz na rua de saia floral e coturnos, e achei fantástico, queria ter fotografado, parado e conversado com ele. Vi muitos comentando, rindo, chamando-o de "baitola". Eu invejo a coragem deste rapaz.

Se em nossa sociedade o "normal", o "correto" é a lei, e o que não é correto é motivo de chacotas, então devíamos suspirar de felicidade por não ter isso no mundo alternativo, certo? A idade, a opção sexual, as posses...nada disso interessa, todos somos bem vindos, correto?

Errado.

Idade importa (lolitas de 30 anos? alguns acham absurdo!).

Opção sexual importa (mesmo que o julgamento seja estético, como foi com o rapaz de saia. Quem garante que ele é homossexual? E se for?). 

Posses importam (ter um look completo com acessórios famosos, ir no show mais badalado...ter de usar sempre aquele visual, mesmo que não queira).

E no meio de tudo isso, ainda tem a rejeição entre tribos. Todos sabem que muitas das tribos dentro do alternativo não se dão bem. Os rockers contra os hippies, góticos contra punks e grungers, lolitas sendo chamadas de fúteis, rockabillys chamados de velhos. Eu vi estas coisas acontecerem muitas vezes. E acho que, embora a estética, a música, as roupas e gírias sejam diferentes, todos tem algo em comum. 

Todos lutam por algo que não tem na sociedade "normal".

Os góticos querem a liberdade de expressar seu gosto pelo obscuro e pelo lado negro da alma. Os punks combatem o Ter Mais, e pregam o Ser Mais. Os rockers querem mais liberdade de expressão. Os grungers querem uma sociedade mais justa, mais igualitária. Os hippies lutam pelo auto-conhecer e aceitação mútua. As lolitas buscam o retorno das moças de educação mais culta, com mais conteúdo. E assim vai.

Embora os valores defendidos não possam ser os mesmos, todos estão defendendo o que acreditam. Através de roupas, expressões, costumes. Arrisco dizer que a tribo que não defende algo concreto, algo mútuo entre seus membros, algo que de fato não se encaixa nos valores da sociedade mainstream, não é tribo alternativa. É um estilo alternativo.

Faz um tempo que tive uma discussão ferrenha com alguém que gosto muito sobre isso. Para esta pessoa, ser metaleiro é fumar, beber, usar couro e rebite, ouvir Death Metal e tomar uns ácidos de vez em quando. Eu fiquei muito revoltada com isso. Normalmente não sou uma pessoa bélica, mas ultimamente tenho visto tanto preconceito e intolerância entre os próprios alternativos! Resultou em uma discussão  acalorada. Eu curto rock, do progressivo ao metal, passando pelo psychobilly, não fumo, bebo só socialmente e beeeem pouco, nem sempre saio cheia de rebites e spikes. Não sou respeitável por causa disso?

Preconceitos são abomináveis entre os alternativos. Isto era o que eu pensava. Quem se identificava com um grupo, lutava contra os modos da sociedade "normal" lado a lado com outros da mesma tribo, mas também emparelhados a outras tribos, pois a luta tem o mesmo fundamento. E quando vejo dentro do mundo alternativo pessoas se rotulando, impondo condições (rockeiros tem que fumar? sério? beber também?), tachando disso ou daquilo, isso diminui a força e o impacto dos alternativos no mundo. Afinal, foram pessoas alternativas, em estética e coração, que mudaram todo o jeito de pensar de uma sociedade em menos de um século.

Todos sabemos que muitas vezes, em blogs e outras redes virtuais, pessoas se montam em um look carregado de referencias, fotografam, e depois tiram e saem de jeans e camiseta, sem admitir isso. Acho que acontece um medo de ser taxado de "não alternativo o suficiente", não estar a altura do que se espera. Eu me entristeço com isso. Parece uma filosofia "John Lennon", mas eu realmente imagino um mundo que todos vão se encontrar espaço sem disputar, todos vão poder ser o que quiserem. Sem medo nem ódio vindo de outros alternativos, mas sim uma cumplicidade, um olhar de "eu sei bem como é" implícito.

Eu neste ponto me sinto péssima por tratar mal ou fazer piadas de quem curte sertanejo, por exemplo. Embora não seja do meu gosto, estas pessoas tem direito de gostar do que quiserem. E se prego uma sociedade que aceita sem julgar, não devo eu aceitar também? Por outro lado, o que é defendido por eles vai muito contra muitas coisas que defendo...E aí?

Ainda vou falar mais sobre isso. Por hoje paro aqui.

Qual sua opinião? 

Carpe diem, carpe noctem, finis est initium.