Dias dos namorados passou (uma data amargar para mim por
diversas razões), e toda a referência que ficou em mim este ano foi:
“Homens não sabem mais cuidar das mulheres. Mulheres não
sabem cuidar mais dos homens. Só sabem cuidar deles mesmos, os dois”.
A frase, que ouvi de uma senhora idosa na fila do mercado,
me tocou o fundo da alma, naquele ponto onde as coisas obscuras ficam. A cena a
minha frente mostrava uma mulher jovem pagando a caixa, segurando um bebê e
lidando com as compras, enquanto seu marido (aparentemente) ficava ao celular,
olhando de vez em quando. Assim que terminou, ainda ouvimos a mulher perguntar ao
homem porque ele não a ajudou.
Porque ela não pediu, foi a resposta. Precisa pedir?, ainda
ouvia ecoar. E assim me tornei cúmplice da opinião da senhora idosa acima,
atrás de mim.
E fui pensando sobre outra situação. Uma mulher se apiedou de
um porteiro, e emprestou uma coberta bonita para ele se aquecer a noite. No dia
seguinte, ela perguntou da coberta – era uma das favoritas dela. O porteiro
disse que levou para lavar e traria sem falta. Passou dias sem aparecer, e
quando reapareceu não devolveu a coberta.
A mulher fez menção de reclamar bem de perto com o porteiro.
Onde já se viu, a coberta dela ser levada assim? Mas o marido não deixou. A
culpa era dela – quem manda emprestar coisa boa?
- Se fosse eu, teria chamado o porteiro na chincha –
respondeu meu avô (chincha é uma gíria sulista para uma conversa beeeeeem de
pertinho, olho a olho).
- Mas vô, a coberta dela podia ser não devolvida, ela corria
este risco.
- A culpa não é dela. É do porteiro ladrão. E do marido.
- Do marido??
- Sim. Onde já se viu não cuidar do que é da mulher dele?
Mulher minha não passa por este constrangimento não. Mulher minha eu cuido, sim
senhor.
E quer mais? Eu concordo com ele. E lembrei daquela senhora,
e concordei com ela também. Discussões sobre papéis de gênero a parte, a coisa
está ficando triste.
Alguns homens não fazem mais gestos românticos simples (um
coração num caderno), por medo, por censura, por falta de criatividade, por
desculpa. Não cuidam mais das suas esposas e namoradas na balada, não dão mais
o casaco para elas no frio, se por acaso forem pegas de surpresa. E se o fazem,
não é por preocupação. Não querem carregar mais o bebê, não querem mais
massagear os pés cansados de um dia estafante. Não querem mais beijar o corpo
todo e cheirar cada centímetro daquela pele, antes de fazer amor. Não querem
mais dizer palavras doces. Não defendem mais a esposa quando um homem leva o
que é delas.
Algumas mulheres não querem mais mandar torpedos de bom dia.
Não querem mais fazer aquele doce que ele tanto ama. Não querem largar a internet
para assistir a Série B do lado dele. Não querem deixar de usar aquele perfume
que ele odeia. Não querem mais cuidar quando ele estiver gripado. Não querem
mais acariciar cabelos na cama, nem beijar nem sorrir depois do orgasmo.
Precisam dormir. Não querem mais avisar, pela 15ª vez, que aquela camisa está
rasgada embaixo do braço e por isso não poderá usar. Quem liga se ele anda
virado às traças? Não querem mais cuidar – suas avós já fizeram isso.
Daí me pego naquela luta interna, no fundo da alma, entre os
papéis que conquistamos e os que perdemos. Nas fugas que estamos levantando.
Uma mulher não pode mais chorar? Um homem não pode mais proteger? Uma mulher
não pode mais cozinhar, e um homem não pode mais sentir borboletas no estômago
quando a vê? Mulher não pode mais sonhar com casa, filhos e cachorro; homem
pode tratar a mulher como algo passageiro, simplesmente por se tratar de uma
mulher?
Ai daqueles que se negam a entrar neste novo esquema. Ai
daquele homem se tivesse ido tirar satisfação com aquele porteiro, defendendo a
coberta da sua mulher. Ai daquela mulher que fez tudo que estava a seu alcance
para manter a casa impecável e o bolo no forno, para agradá-lo; ai do homem que
gostar de cheirar as costas de sua mulher e fazer carinho em seu rosto; ai da
mulher que não oferecer o colo ao homem decepcionado. Ai daquele que exigir um
amor puro, com humor, com romance, surpresa, confiança, e entrega. Ainda existe
alguém querendo cuidar?
E assim, saindo no frio da chuva daquele dia, chorei. Era
Dia dos Namorados, e as pessoas estavam cada vez mais se enamorando menos.
Carpe diem, carpe noctem, finis est initium.
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