A série Tabus e eu aborda pontos contraditórios na nossa sociedade, vistos pelo ponto de vista de uma pessoa leiga (eu) e por pessoas que já vivem estes pontos ou debatem a questão. Muitos temas complexos serão abordados aqui. Peço respeito às opiniões aqui expostas.
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Dia XX de setembro de 2015, 16:30 da tarde.
Eu sem almoço, não tivera tempo. Com um sanduíche natural na bolsa, do Tropical Banana, onde tive de tirar o peito de peru, e um suco de frutas vermelhas, sigo para minha aula de Doença da Vaca Louca. Assunto familiar, pois já tinha lido muito a respeito anos antes. Fotos de vacas loucas. Cérebros bovinos. E outras coisas bem desagradáveis. A pior parte ainda estava por vir. "Estes porcos que resgataram no Rodoanel vão morrer com o próprio peso. Deixaram de ser porcos faz tempos. Nós os manipulamos para serem alimento, para morrerem cedo. Eles nos servem e acabou."E foi nesta hora que saí da aula, enojada.
Desde menina questionava consumo de carne, mas não pensava muito no assunto. Sou de família gaúcha; churrasco é uma tradição familiar. Na faculdade, com certa dificuldade, tive contato com vegetarianos e vegans. Acontece que eles eram muito violentos e extremos e acabaram me assustando. Só a H. Carol (beijos irmã lindona!) me fez acreditar que não consumir carne era possível sem ficar maluco com isso (aliada ao fato de a mãe dela, uma pessoa maravilhosa, ser super criativa na cozinha e mandar super bem no veganismo).
Ainda na faculdade, tive de ficar 6 meses sem consumir carne, leite, chocolate e cafeína, e pouco açúcar, para testes nutricionais. O motivo: suspeita de colite ulcerativa. Não confirmou, mas tive a experiência do que era não consumir nada de animais: só ovo cozido, gelatina e iogurte eram permitidos. Perdi 20 quilos e fiquei anêmica, mesmo com nutricionista ajudando. A conclusão da profissional é que meu organismo não absorve os alimentos como um humano normal, então preciso comer muito mais de certas coisas. Isso inclui vitaminas do complexo B, cálcio e proteínas. Então voltei a comer carne. Diminuí muito, e continuei lendo a respeito.
Passaram muitos anos, e eu novamente revendo a alimentação. Glúten passa a ser um vilão. Corta ele também. Mas teve um lado interessante: passei a ler mais sobre dietas para celíacos e comecei a cogitar o vegetarianismo ovo-lacto (que consome leite e ovos). Poderia ser um começo. Mas os hábitos da minha família são fortes e toda refeição tem carne. Evitava ao máximo, mas acabava recaindo. Na igreja do meu pai, vários são vegetarianos e trocava uma ideia com eles, mas no geral era algo complexo, nem sempre dava certo.
Aí resolvi pesquisar mais sobre veganismo. O vegetariano não come derivados animais, dependendo da vertente que segue. Mas o vegano não consome nada. Nem usa. Para um vegano, outro ser vivo pede respeito tanto quanto um ser humano. "Existe uma grande variação de dietas vegetarianas em relação aos produtos que são ou não consumidos. A forma mais popular de vegetarianismo é o ovolactovegetarianismo, que exclui todos os tipos de carnes, mas inclui ovos, leite e derivados. Há também o lactovegetarianismo, que exclui todos os tipos de carne e também o ovo. Mas é consumido leite e os seus derivados. Outra forma de dieta vegetariana é o vegetarianismo estrito: neste, são excluídos todos os produtos de origem animal, como ovos, laticínios e mel. O vegetarianismo estrito é frequentemente confundido com o veganismo. (Fonte: Wikipedia)".
Diante de muitas informações, muitas dúvidas e muita vontade, resolvi parar de comer carne. Estou há 3 semanas sem ela, por causa disso coloquei mais gluten na dieta sem passar mal. E foi neste momento que descobri que veganismo é um tabu. A quantidade de discussões inflamadas na internet me deixou espantada. Só aqui e aqui já foi o suficiente. Pessoas me perguntando: por que? Me chamando de ecochata, de hippie, de extremista. A vida de um vegetariano não é fácil. De um vegano, é quase impossível. De vegano celíaco...bom, deixo a seu critério.
Aquele dia XX foi um dos dias em que senti na pele. Eu não tinha encontrado nada vegetariano o dia todo. Só um sanduíche que tinha retirado a carne. Vegano? Não. Tinha ricota. E assim era em todos os lugares: carne, carne, carne. E quando não estava presente, estavam os ovos e o leite: creme, molhos, massa, recheios. Não foi sacrifício cortar carne, nem os ovos. Os ingredientes animais ocultos e o leite foram os piores: manteiga, claras, queijo... Estes, se eu não fizesse vista grossa, teria passado fome. E para piorar, sou viciada em leite. Desde menina, tomo quase um litro por dia. E os leites vegetais não estavam fazendo bem (tomei um a base de amêndoas que me fez falar todos os palavrões possíveis, tamanho desconforto). O veganismo, neste momento, seria impossível.
Pesquisei muito ao longo de meses. Vegetariano PRECISA estudar sobre nutrição, senão fica doente rapidinho. Comi em vários restaurantes vegetarianos daqui de Curitiba, todos muito saborosos mas inviáveis de ir todo dia ($$$). Pesquisei orgânicos, soluções em casa, dados de suplementação alimentar. O mundo era vasto. E cheio de tons de cinza. Extremistas por carne defendendo o direito de comer a carne, uma vez que os animais não raciocinam e deixaram de ser selvagens. Os extremistas por veganismo, acusando os outros de comerem cadáveres e torturarem galinhas e vacas. E muitas opiniões variadas no meio. Como suplementar? Quanto comer? A pirâmide alimentar vegetariana funciona?
Um não consenso entre nutricionistas, a pirâmide vegana.
Como bióloga, eu fico a andar numa corda bamba. Não apoio testes em animais, mas sei que remédios que usam metabolismo dependem dos testes. Sei que vitaminas do complexo B são muitas vezes restritas a produtos animais, mas o abate de carne é muitas vezes cruel (abate humanitário no Brasil é mal fiscalizado). A produção de ovos e de leite também é bem complicada, com o regime de encarceramento. Mas a substituição destes muitas vezes é difícil e cara, para quem não entendem do assunto.
Para quem foi criada em sítio, eu fico confusa e culpada muitas vezes. Lembro de alimentar os pintinhos e galinhas, que eram criados soltos. Os porquinhos e as vacas também. Os mesmos bichinhos que comeríamos depois. Isso me deprime. Mas lembro das vacas leiteiras e as cabras adorarem a gente: dávamos carinho, banho, cobríamos no frio. E elas nos davam leite, lambiam nossas mãos, deixavam a gente brincar com os filhotes. As galinhas poedeiras vinham no nosso colo (minha avó, que cria galinhas, sempre tira fotos com elas num abraço comovente e engraçado). Era errado então comer ovo e tomar leite? Para eu criança, não era. Mas um vegano diria que estaríamos explorando os bichinhos. Um fio tênue de equilíbrio. E todo copo de leite que tomo me deixa cheia de dúvidas.
Eu não quero comer carne porque não suporto a ideia do animal sofrer. "Ah, mas se tivesse uma carne orgânica e o abate humanitário zero dor, você comeria?". Boa pergunta. Jogue pedras se quiser, mas comeria. Os motivos de não comer carne são variados: não gostar, não digerir, não aceitar a morte de outro ser, preocupação com o planeta e as implicações do agronegócio (que é meu caso), e religiosas. Nestas quero fazer uma observação: Os espíritas defendem que não devemos comer carne. Desde Kardec: “Será meritório abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra qualquer, por expiação? Sim, se praticar essa privação em benefício dos outros” (questão 724 do Livro dos Espíritos – LE)." Aqui tem um pouco a respeito. Eu li em vários livros sobre a Wicca que, tendo respeito pelo ser vivo, pode-se come-lo, porque nos primórdios nós também éramos comida. Sem gula, com respeito. Os cristãos abstém de carne na Quaresma, os judeus não comem porco, os muçulmanos pedem o abate especial (se você ler a respeito, talvez fique horrorizado), os hindus nem querem saber de carne. Ou seja, gente interessada em não comer carne tem aos montes.
Sem julgamentos. Apenas considerações pessoais. Então por que tanta gente defendendo a carne com tanta violência e agressividade?
Continua...
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