Estava eu dias atrás pensando na minha dificuldade em fazer looks com calça. Isso porque no verão não gosto de usar calças, e minhas calças de tecidos gostosos foram parar todas no guarda roupa de minha mãe. As que eu tinha não davam certo com minha órtese e ficaram curtas. E calça ajuda nos dias não inspirados, cá entre nós.
Até aí tudo bem. Calça social na lista de compras. Aconteceu de eu pegar promoções atrás de promoções pela frente e não achar a calça. Eu sou exigente: não quero tecido que amassa muito, tem que ser durável, tem que ser versátil, etc. Se não cumpre nem adianta ser 5 reais que não levo. Acabei depois de 5 horas procurando indo na Marisa, encontrando uma largada no meio de uma bagunça, e ela serviu bem por módicos 60,00 reais.
O fato é que no meio destas promoções caí na frente da Forever 21 aqui em Porto Alegre. Olhei a vitrine com certo interesse...para depois lembrar que a Forever 21, a Zara e muitas outras estavam na minha lista negra de "lojas sob suspeita". Na vitrine havia uma camiseta muiiiiito linda, mas logo me refreei. Não estou precisando de camisetas! Mesmo sendo preço bom, se não preciso para que levar?
Li no Nosferotika uma crítica parecida:
Eu sou uma pessoa muito analítica e observadora, eu rolo a internet todinha procurando alguma coisa que eu vi em algum lugar, por um preço bom, e eu só queria que as pessoas fossem críticas e observadoras também. As "lojinhas" atribuem um valor que não existe a produtos de qualidade baixa, e o que mais me deixa chateada é que tem gente que COMPRA! Tem gente que gasta todo o dinheiro nisso, sem pesquisar!Eu atribuo essa culpa à blogosfera? Talvez, mas nós estamos condicionados desde muito tempo a aceitar o que nos oferecem sem questionar. Isso não é certo! Hoje é tão mais simples, porque existe o google, existem várias lojas virtuais, existe o ebay, o aliexpress, etc. Só paga uma fábula quem quer. (Fonte)
Assino embaixo!!!!
Duas horas e meia na fila para pagar. 2 mil pessoas na inauguração. Fonte aqui.
Este fato me fez pensar como as coisas estão rápidas e efêmeras, sobretudo no mundo das roupas e make. De uns tempos para cá, vejo várias meninas tendo de comprar a qualquer custo Aquele Batom, Aquele Lápis...Se o dinheiro é dela, que gaste ora. Mas não tenho visto gastos com consciência. São compras porque todo mundo compra. Não há amor, não há ponderação. Há dívidas. Há necessidade de status. De ostentar etiqueta de marca alternativa.
Quando eu era menina, eu queria um coturno. Só tinha modelos masculinos nas lojas do exército. Aquilo me deixou louca, pois queria um feminino. Não tinha internet, então era sentar e chorar.
Até que um dia comprei a Atrevida (que era uma revista MUIIIIITO MELHOR do que é hoje) e no editorial tinha uma menina linda, de blusa creme, saia preta e...coturnos de camurça! Eu recortei a página e levei para minha mãe dizendo que era aquilo que queria ganhar de aniversário, para dali a alguns meses, em Agosto. Ela riu e falou que poderíamos procurar.
Fomos na loja e não tinha do meu número. Estou acostumada - uso 39 desde meus 15 anos - mas fiquei muito triste, e o vendedor percebeu. Ele ligou para o fornecedor e pediu um par, que só chegaria dali a um mês! Tudo bem. Pagamos adiantado e fiquei contando os dias.
Chegado o coturno, fui buscar. Assim que passei na vitrine, vi outro coturno. De verniz preto, duas fivelas no cano alto, zíper, um solado grosso. Um Via Marte. Preço? Na tabela de hoje, 500,00 reais. Olhei para minha mãe e perguntei se poderia provar.
- Não senhora! Já tem um sapato lá dentro.
- Mas mãe, é coturno...
- Tá disposta a abrir mão do outro?
- Ahn...sim...
- Tá muito caro...
Discussão vai, discussão vem, chega a minha vó braba porque estávamos demorando. Negociações depois, levei os dois sapatos. Com a condição de lavar toda a louça nos fins de semana e ajudar minha vó nos bordados dela até o Natal (para me livrar mais rápido paguei o "empréstimo" dando aula particular de matemática por um bom tempo).
Por que consigo lembrar de tudo isso? Da revista, da negociação, do coturno e do que vivi com ele? Porque não foi uma compra qualquer. Foi uma compra estimada, suada, necessária ao meu coração.
Ser alternativo exige dinheiro. Fato. Pergunte quanto custa um coturno bem diferenciado, uma roupa lolita completa, um look Cybergoth...não são baratos. Um coturno em uma loja mainstream custa em média 200,00 reais. Um coturno de uma loja alternativa pode alcançar 500,00. Isso se deve ao fato da diferenciação - o coturno alternativo tem elementos a mais, mais identidade com a proposta de quem o compra. O coturno mainstream é de uso geral, qualquer mulher poderia usar. As lojas alternativas tem suas razões para cobrar este valor. Poucos compradores, mais exclusividade...poderia ficar listando que não conseguiria explicar tudo como gostaria. A diferença é que o alternativo é algo mais durável. Pelo menos pelo que percebo. As roupas não se desfazem no primeiro uso. Os sapatos duram bem mais. E quando você compra algo alternativo, é porque se identifica, não para cantar por aí que comprou, pra mostrar que pode. Certo?
Nem sempre.
O que me incomoda é a loucura da necessidade. Se alguém aparece usando um batom X, muitas meninas não ponderam, e começam uma caça desenfreada. E após comprar...não gostam mais, não querem mais, se forçam a usar apenas por ostentação, para poder dizer. Será que estas meninas nunca vão conseguir sentir o que senti na noite que fui para casa com meus dois coturnos, onde coloquei eles a minha vista e fui dormir olhando para eles, feliz demais para deixar de sorrir?
Ou será que contar a Deus e todo mundo que comprou Aquele Batom, Aquela Blusa da Forever 21 é mais importante? Mesmo com a suspeita de produtos tóxicos, de trabalho escravo? Mesmo não gostando? Não tendo apego? como se fosse descartável?
Eu sinto muito isso quando vou montar um look e caio em alguns problemas logísticos. Não tenho dinheiro agora para comprar NADA, e me viro com o que tenho. Não tenho batom preto, improviso com lápis e gloss. Não tenho um coturno daqueles mas tenho coturnos que uso direto. Não tenho bolsa de caveira, uso uma que foi presente da minha mãe. Isso me faz mal?
Às vezes.
Eu luto contra o que vejo no espelho e o que vejo por aí. Me sinto inferior muitas vezes. Eu sei que isso não é importante. Sei também que a geração de jovens de onde saí não tinha nada destas coisas a disposição. Batom preto era com lápis, unhas pretas só colocando tinta nos esmaltes. Usávamos o mesmo colar ou pulseira por semanas, porque gostávamos tanto que não queríamos trocar, e não tínhamos outros.
Agora é legal porque não precisamos improvisar. Mas veio com isso uma urgência de ter, o tempo todo. Isso me incomoda. Fora que customizar antes era algo natural, todo mundo criava do seu jeito, e hoje muitas compram pronto e não exercitam a criatividade.
E quando percebo que não encontro no Brasil o que busco vestir mas facilmente importo da China, aí a culpa de mistura. Meus dedos hesitam e acabo não apertando o botão Buy this item, mesmo sabendo que não vou achar aqui. Prefiro ficar sem, dar um jeito no que já tenho, do que comprar algo que não sei se foi feito por mãos escravizadas.
Não sei se estou certa ou estou com despeito de quem pode comprar e de quem compra sem culpa. Mas sinto que tem algo de ruim no ar.
Carpe diem, carpe noctem, finis est initium.